Artigo de Marc H. Bornstein

Toque - Como participamos, entendemos e respondemos ao nosso Mundo

Podemos fechar os olhos e tentar imaginar como é ser cego, ou tapar os ouvidos e imaginar como é ser surdo. Mas é extremamente difícil imaginar como seria se não percecionássemos o toque. O tato é um sentido que está sempre “ligado” - transmitindo através de nossa pele uma gama diversificada de sensações, como um golpe suave no braço, uma picada de abelha, uma rajada de ar frio ou uma comichão irritante. Tal como um investigador refletiu, não podemos imaginar a vida sem percecionar o toque porque este está profundamente relacionado com o nosso sentido de identidade. O que sabemos sobre o toque? Aqui, aprendemos sobre a primazia do toque entre os cinco sentidos; a informação que o toque transmite; como é que o toque funciona e qual a sua biologia; maneiras de entender o mundo através do toque; como é que o toque molda o nosso bem-estar emocional e social; os significados pessoais e culturais do toque; e os muitos usos práticos e terapêuticos deste sentido.

toque humano no desenvolvimento

A primazia do toque para o desenvolvimento

O toque é o primeiro sentido que surge no útero. Já com oito semanas, o feto mostra que sente o toque no seu rosto e reage aos estímulos; com 14 semanas, todo o seu corpo responde ao toque. Ainda no útero, o feto começa a acumular experiências sensoriais através do tato, uma vez que sente o calor e o movimento do líquido amniótico, ao mesmo tempo em que explora ativamente o seu próprio corpo. Os fetos também respondem ao toque que vem do exterior. Entre as 21 e as 33 semanas, foram observados fetos que movimentavam os seus braços, cabeça e boca como resposta às mães enquanto estas passavam as mãos nas suas barrigas. Logo após o nascimento, os recém-nascidos utilizam a sua sensibilidade e começam a tocar à volta da boca para que possam ser amamentados. E o contacto físico com os técnicos de saúde funciona como uma forma de transmitir aos recém-nascidos a existência de um mundo fora do útero. Embora os recém-nascidos não precisem de se agarrar aos técnicos de saúde, o facto de agarrarem com força um dedo que esteja nas suas mãos, é um reflexo neonatal universal.

 

”Para ser significativo, tudo deve ser percebido e sentido em primeiro lugar.”

O toque e os outros sentidos a trabalharem juntos

Os nossos cinco sentidos - visão, audição, olfato, paladar e tato - são a nossa porta de entrada para o mundo: para que algo seja significativo, deve ser sentido e percebido em primeiro lugar, e os sentidos trabalham juntos para nos ajudar a compreender e apreciar o nosso ambiente. Por exemplo, contamos com a visão e o paladar para decidir se o alimento é seguro para comer, o som e a visão para determinar se alguma confusão na floresta é benigna ou ameaçadora e o toque e a visão para determinar como agarrar e levantar um objeto. A estimulação dos nossos sentidos contribui para o nosso desenvolvimento biológico, cognitivo, social e emocional. No entanto, uma pessoa pode ser cega ou surda, ou não ter os sentidos do paladar ou do olfato, e ainda assim levar uma vida produtiva. Então e se formos privados do toque? Embora seja difícil separar a contribuição que cada sentido nos transmite para aquilo que percecionamos, este artigo explora as muitas contribuições exclusivas do toque para o nosso desenvolvimento, bem como as maneiras pelas quais compreendemos os outros e nos relacionamos com eles.

o toque é informação

O toque é informação

O toque transmite uma riqueza de informações sobre o mundo, e precisamos do toque para navegarmos no nosso ambiente. Há muitos anos, o filósofo grego Aristóteles escreveu "De Anima" em que vinculou expressamente a percepção tátil à inteligência prática. Através do toque, somos capazes de localizar quando e em que zona da nossa pele um objeto está em contacto, e quais são as suas diferentes propriedades - isto é, se um objeto é duro ou macio, áspero ou liso, pesado ou leve, quente ou frio. Nós conseguimos ainda perceber as diferenças existentes em cada tipo de toque, seja uma palmada, um abraço, um beliscão, uma carícia ou até mesmo cócegas. Estes são apenas alguns exemplos. O toque transmite dor e prazer, e o toque é uma forma através da qual comunicamos emoção: uma carícia suave ou um empurrão abrupto, informa-nos imediatamente da forma como se sente a pessoa que nos tocou. Na verdade, mesmo os recém-nascidos utilizam o toque para obterem informações acerca das propriedades dos objetos, como por exemplo a textura, o peso e a temperatura. É principalmente através da nossa pele, o maior orgão do nosso corpo que funciona como escudo protetor, que sentimos o toque. A pele impede a entrada de substâncias perigosas, ao mesmo tempo em que mantém os fluidos corporais vitais. A nossa pele ajuda-nos a manter a temperatura corporal normal, e tem a capacidade de se curar de forma milagrosa quando está ferida.

o toque entre o casal

Mais do que superficial: Como funciona o toque

A camada superior da pele designa-se por epiderme e, logo abaixo, na derme, é onde está localizada a maioria das terminações nervosas. Estas terminações são os recetores de toque que transmitem sensações táteis da pele para o cérebro. Nem todas as zonas da pele do corpo são igualmente sensíveis ao toque. As pontas dos dedos, os lábios e a língua são mais sensíveis do que as costas: por exemplo, podemos perceber a diferença entre duas picadas de alfinete que estão a apenas 2 mm de distância na ponta dos dedos. Mas não conseguimos distinguir na parte inferior das costas, a menos que tenham entre 30 a 40 mm de distância. Esta diferença a nível de sensibilidade reflete a maior concentração de transmissões nervosas nas pontas dos dedos, em comparação com a parte inferior das costas. O número e a distribuição de recetores de toque faz com que certas regiões da pele sejam mais sensíveis. Por isso, são representadas em maior escala nas partes do cérebro que processam o toque (principalmente no córtex somatossensorial). A experiência tátil afeta o modo como as partes do corpo são representadas no cérebro. Por exemplo, tocar certos instrumentos como o violino, que requerem que se mexa continuamente a mão esquerda (enquanto a mão direita segura o arco) resulta em maiores representações dos dedos da mão esquerda no córtex somatossensorial. Albert Einstein tocou violino desde jovem, e uma autópsia realizada ao seu cérebro comprovou isso. Para além do número e da distribuição, os recetores de toque também são constituídos por diferentes tipos que assinalam diferentes sensações táteis. Alguns recetores são específicos para a estimulação mecânica (como a pressão, a vibração e a textura). Outros são para a temperatura, para a dor e até mesmo para carícias suaves (que, como podemos imaginar, desempenham um papel especial no nosso bem-estar emocional). Os recetores de toque dão-nos a perceção acerca dos objetos que estamos a tocar - por exemplo, percebemos se um pêssego é macio. Para além disso, também nos informam que estamos a ser tocados - por exemplo, que alguém está a tocar no nosso ombro. Os recetores da temperatura ajudam-nos a regular a temperatura do corpo. Também nos alertam para coisas que estão tão quentes ou tão frias que nos podem prejudicar. Da mesma forma, os recetores da dor alertam-nos para algum perigo para o nosso corpo, fazendo com que adotemos as medidas adequadas. Por exemplo, para remover uma lasca que nos esteja a magoar. Existem outros recetores de toque, que residem nos nossos músculos, articulações e tendões. Esses recetores transmitem informações sobre os nossos movimentos e posição corporal. Alguns recetores de toque transmitem mensagens para o cérebro de forma lenta ou rápida (a chama que tocou na nossa pele). Alguns persistem em sinalizar as suas sensações, enquanto outros não as sinalizam (mal percebemos que as roupas tocam de forma contínua no nosso corpo). Juntos, os recetores de toque permitem-nos percecionar muitas sensações diferentes.

”Vários estudos debruçaram-se sobre os efeitos da estimulação suplementar no desenvolvimento de bebés prematuros.”

O toque está enraízado na nossa biologia

Muito do que sabemos sobre a biologia do toque humano vem surpreendentemente de estudos de “privação de toque”. Estudos esses feitos em ratos e macacos, bem como em crianças que foram criadas em situações comprometedoras. Bebés prematuros em incubadoras e crianças que vivem em instituições. Os estudos em animais foram especialmente reveladores. Muitos animais jovens, que foram separados das mães, apresentaram atrasos significativos no desenvolvimento e ainda anormalidades comportamentais. Mas o que é que causa exatamente esses efeitos adversos derivados da ausência de cuidados maternos? Para encontrar respostas a essa pergunta, na década de 1980, os cientistas isolaram os ratos recém-nascidos das suas mães e documentaram os atrasos de desenvolvimento esperados. Esses atrasos foram acompanhados por mudanças marcantes na bioquímica dos filhotes, como a falha na libertação da hormona do crescimento e da síntese proteica. Então, surgiu a questão de que tipo de estimulação poderia fazer com que esses parâmetros voltassem ao normal? O controlo da temperatura corporal dos filhotes, a alimentação e a estimulação auditiva, visual e olfativa não fez diferença no seu crescimento. Os filhotes puderam até mesmo ser devolvidos às suas mães, que foram anestesiadas para evitar a estimulação materna, e aos irmãos da mesma ninhada. No entanto, não se alimentaram e o seu crescimento não voltou ao normal. O ingrediente ativo que faltava era a estimulação tátil, que deriva do facto de as mães lamberem os seus filhotes. Quando os investigadores simularam essas sensações táteis, ao acariciarem os filhotes com um pincel húmido, e com a mesma frequência e pressão com que as mães os lambem e cuidam, a produção da hormona do crescimento e a síntese proteica dos filhotes voltaram ao normal. Os filhotes cujas mães os lambiam com frequência logo após o seu nascimento, responderam de forma mais adaptativa ao stress. O mesmo não se verificou em filhotes com ausência de estimulação tátil por parte das suas mães. Esses estudos com animais fizeram-nos compreender o papel do toque no desenvolvimento humano. Existem duas situações que refletem o que acontece com os bebés humanos quando são privados ao toque. Uma delas é quando os bebés são prematuros e isolados em Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN). A outra diz respeito à criação em orfanatos. Um estudo na década de 1960 indicou que os bebés que tiveram apenas 20 minutos diários de estimulação tátil extra, apresentaram melhores avaliações a nível de desenvolvimento em apenas dez semanas. No final dos anos oitenta, a atenção mundial centrou-se na situação de orfãos romenos que viviam em ambientes rígidos e privados de contacto humano. Esses órfãos mostraram atrasos significativos no crescimento e desenvolvimento socioemocional. Eram privados de toque humano devido à falta de pessoal no orfanato. Os bebés muito prematuros podem passar as suas primeiras semanas (ou mesmo meses) em incubadoras. Por isso não experienciam níveis normais de toque e estimulação sensorial. Os avanços médicos têm permitido melhorar as taxas de sobrevivência dessas crianças. No entanto, tem sido um desafio garantir que os bebés prematuros possam crescer e desenvolver-se normalmente. Muitos estudos examinaram os efeitos da estimulação suplementar no desenvolvimento de bebés prematuros. Não é surpreendente que a estimulação tátil seja particularmente eficaz para melhorar o início do desenvolvimento, quando a visão e a audição não estão tão desenvolvidas como o tato. Em estudos sobre a estimulação tátil em ratos recém-nascidos, os investigadores exploraram se o toque, na forma de massagem e combinado com o movimento dos membros dos bebés, poderia melhorar os resultados em bebés prematuros. De facto, os bebés prematuros que recebem estimulação tátil suplementar, ganham mais peso do que aqueles que não recebem. São mais ativos, apresentam melhor desempenho em avaliações de desenvolvimento (como orientação e comportamento motor) e, em média, passam menos dias no hospital. Estes resultados surgem em testes realizados após 8 e 12 meses nos bebés que foram massajados. Existe um paradigma psicológico em que a mãe adota uma postura facial não responsiva e para de agir. Ao fazer isto está a tornar-se temporariamente indisponível para a criança. Normalmente, os bebés com apenas dois meses reagem mal a isso. Irão apresentar respostas negativas, tanto a nível fisiológico (hormonais e cardíacas) como comportamental (aversão ao olhar). No entanto, quando as mães mantêm essa postura a nível facial mas tocam nos seus bebés, eles choram menos e a negatividade das suas reações fisiológicas e comportamentais é reduzida. Estes estudos experimentais demonstram o poder do toque na regulação da biologia e do comportamento. Além disso, vários outros estudos assinalaram os muitos efeitos benéficos do toque nas respostas de excitação dos bebés, frequência cardíaca, tensão arterial, sistema imunológico, entre outros. Em quase todo o mundo, os pais protegem os bebés como uma forma eficaz para acalmá-los, diminuir o stress, reduzir a frequência cardíaca e induzir um sono de melhor qualidade. O toque também exerce efeitos semelhantes e relaxantes em adultos. O contacto físico - como dar as mãos, abraçar ou receber uma massagem do nosso parceiro - antes de uma situação stressante (por exemplo, falar em público) reduz a tensão arterial, a frequência cardíaca e os níveis da hormona do stress. Os “avós” voluntários que receberam massagens e massajaram os bebés, tiveram menos ansiedade e depressão, dormiram melhor e reduziram o nível da hormona do stress. O toque tem muitas funções práticas e terapêuticas que serão discutidas a seguir.

“O toque também nos informa como devemos agarrar um objeto da melhor maneira."”

O toque afeta a forma como percecionamos o Mundo

O toque desempenha um papel crucial na compreensão do mundo que nos rodeia. Numa primeira abordagem, os bebés exploram o mundo através de recetores sensíveis ao toque na boca e na língua. Os recém-nascidos viram as suas cabeças de maneira confiável para um toque no canto da boca ou bochecha. Ao longo dos meses seguintes exploram notoriamente as suas mãos, pés, roupas e cobertor com a boca. Todos já reparámos que os bebés levam muitos objetos à boca para descobrirem as suas características. Essa coordenação é também observada no útero, quando os fetos chupam o polegar. Os recém-nascidos conseguem percecionar algumas propriedades dos objetos através do toque, como a textura e o peso. Por volta dos três a quatro meses começam a adaptar-se às características do objeto - por exemplo, arranham um brinquedo com textura, mas não um brinquedo macio. Mexer ativamente em objetos transmite informações sobre as propriedades dos mesmos. Os adultos costumam usar todos os sentidos disponíveis para percecionarem o Mundo. Mas todos já tiveram a oportunidade de usar, de forma instantânea, o toque ativo para procurar chaves “às cegas” num bolso ou, com as mãos para a frente, encontrar o caminho no escuro ao confiar exclusivamente no toque. O toque indica-nos qual a melhor forma de agarrarmos um objeto. Os adultos utilizam várias técnicas táteis exploratórias, principalmente quando a visão não está disponível, para obterem um certo tipo de informação: passar a mão na superfície de um objeto para determinar a sua textura; apertar um objeto para determinar a sua dureza; colocar um dedo em volta de um objeto para determinar o seu contorno; agarrar um objeto para determinar a sua forma e volume; colocar a mão num objeto para determinar a sua temperatura e segurar um objeto para determinar o seu peso. Pense sobre a última vez que ajustou uma ferramenta na sua mão para realizar melhor um trabalho. As pessoas com danos nos nervos das mãos, deixam cair coisas com frequência porque não têm o feedback do recetor de toque para o cérebro, que é necessário para corrigirmos a aderência aos objetos. A sensibilidade tátil diminui à medida que as pessoas envelhecem, tonando-as muitas vezes mais desajeitadas.

"O toque afeta a forma como nos sentimos."

O toque molda o nosso bem-estar emocional e social

O simples facto de sermos tocados afeta a forma como nos sentimos. Uma palmada nas costas pode fazer-nos sentir relaxados e felizes, mas um soco no braço pode deixar-nos irritados. O toque também afeta o que sentimos pelos outros. Entre as primeiras experiências sociais dos bebés está o toque amoroso de um técnico de saúde. Esses toques promovem uma sensação de segurança e confiança ao bebé. “Afeto” é um termo amplamente usado para se referir ao vínculo especial formado entre os bebés e os técnicos de saúde. O etologista John Bowlby afirmou que esse  vínculo único evoluiu para garantir a sobrevivência infantil, mantendo a mãe e o bebé indefeso em contacto físico próximo. As experiências inovadoras do psicólogo Harry Harlow com macacos bebés confirmaram a importância do "conforto do contacto" para um desenvolvimento social e emocional normal. Macacos bebés criados com apenas mães "substitutas" de arame farpado, uma das quais estava coberta com tecido atoalhado e outra quais fornecia leite para sustentar a vida, passavam a maior parte do tempo a agarrarem-se à mãe de veludo. Apenas visitavam a mãe de arame para amamentar. Mais tarde, apenas a mãe de pano era uma fonte de conforto, e os macacos assumiam essa mãe como base segura para explorar o seu ambiente. Quando os macacos e os chimpanzés se estão a catar socialmente, faz com que estejam em contacto fisíco próximo. Isto ocupa uma parte significativa dos seus dias. Tal toque serve vários propósitos: define e solidifica as relações sociais (por exemplo, entre mãe e filho, parentes próximos, adultos dominantes e subordinados e parceiros sexuais); facilita o estabelecimento de novos relacionamentos (por exemplo, os chimpanzés têm maior probabilidade de partilhar comida com os chimpanzés que os escovaram no início do dia); e auxilia na resolução de conflitos e redução da agressividade. O significado socioemocional do toque tem um efeito vitalício, e os investigadores referem-se agora à pele como um "órgão social". Alguns recetores mecânicos de pele são estimulados especificamente por toques com uma pressão semelhante a uma carícia suave e, quando estimulados dessa maneira, geram uma sensação agradável. A sensação agradável que vem do contacto pele com pele promove um comportamento de aproximação entre as pessoas, o que facilita a sociabilidade. Quando o Romeu viu a Julieta pela primeira vez, ele pensou para ele mesmo:

“Veja como ela apoia o rosto na mão. / Oh,se eu fosse uma luva

sobre aquela mão / para que pudesse tocar aquela bochecha!"

O toque é vital para a confiança, cooperação e funcionamento do grupo. Por exemplo, breves toques comemorativos, como tocar no peito ou bater as mãos, melhoram o desempenho individual e em grupo em jogadores profissionais de basquetebol. Eles fazem isso para reforçar essa cooperação. Toques suaves afetam as relações sociais de maneiras que nem sempre temos consciência. As pessoas provavelmente darão gorjetas maiores, devolverão o dinheiro que sobrou, avaliarão melhor uma loja e até poderão gastar mais dinheiro se forem simplesmente tocadas com cuidado no decorrer de uma transação. O carinho de um parceiro romântico, com a pressão certa que desencadeia uma resposta de prazer, pode até reduzir a sensação subjetiva de dor. Cientistas concluíram que a função afetiva do toque é uma adaptação desenvolvida para promover o contacto físico positivo, como uma interação social de apoio e, portanto, é fundamental para relacionamentos sociais positivos ao longo da vida. O toque comunica uma ampla variedade de emoções - do amor à raiva - e é capaz de fazê-lo de uma maneira tão confiável como rostos ou vozes. Tocar ou ser tocado é uma expressão direta de emoção.

"Às vezes, o simples gesto de estender a mão a alguém pode ser um início de uma viagem."

Vera Nazarian

Autora de Ficção Científica

Significados culturais e pessoais do toque

Nem todas as formas de toque são iguais. O significado do toque é surpreendentemente complexo e reflete muitos fatores, como as características do toque e a nossa história pessoal, status e cultura. O toque mecânico tem diferentes propriedades físicas que resultam em diferentes sensações e percepções: a intensidade do toque (um toque versus um empurrão), a frequência do toque (uma palmada nas costas versus palmadas constantes), a duração do toque (um abraço rápido versus um contacto prolongado), onde ocorre o toque no corpo (um beliscão na bochecha versus um beliscão nas costas). Todos estes fatores influenciam se o toque é sentido como agradável, irritante ou doloroso, bem como se o toque sinaliza afeto ou agressão. Quem toca em quem e como, trasmite informações sobre o seu género e status numa sociedade. Um abraço de um amigo pode ser agradável, mas um abraço de um estranho ou de um chefe pode parecer intrusivo. No Ocidente, os homens tendem a tocar mais nas mulheres do que as mulheres nos homens, e as pessoas mais velhas tendem a tocar nos mais jovens mais do que o contrário. Os toques refletem as diferenças de status entre os grupos, bem como os costumes de género e idade. A maneira como as pessoas se cumprimentam regularmente envolve toques ritualizados. A antropóloga britânica-americana Ashley Montagu listou uma fantástica variedade de comportamentos de saudação relacionados com o toque em todo o mundo, que inclui beijos (uma, duas ou várias vezes), esfregar o nariz, esfregar a bochecha, dar palmadas nas costas, apertar a mão e colocar a mão o coração, entre outros. Bater com os punhos é uma saudação e uma celebração comum que ainda hoje é partilhada. Como um filósofo observou: "Às vezes, o simples gesto de estender a mão a alguém pode ser um início de uma viagem." O significado socioemocional do toque reflete profundamente a cultura da pessoa. Culturas diferentes seguem regras diferentes sobre o que é um toque apropriado e aceitável e o que é tabu. Apertar a mão de alguém do sexo oposto pode ser calorosamente bem visto numa cultura, mas pode ser considerado desagradável, indesejável e ofensivo por alguém que pertença a uma cultura onde as pessoas do sexo oposto estão proibidas de se tocar. A frequência com que as pessoas se tocam varia entre as culturas e está relacionada com outros costumes culturais. Por exemplo, nos Camarões, onde a interdependência nas relações sociais é a norma, as mães mantiveram o contacto físico com os seus bebés de forma muito significativa durante os períodos de brincadeiras livres, quando comparadas com as mães na Grécia, onde o foco é a promoção da independência interpessoal. Não é surpreendente que as sociedades nas quais as pessoas se tocam, sejam mais pacíficas do que as sociedades caracterizadas por pouco contacto físico. É evidente que a nossa cultura nos ensina sobre os fatores de comportamento que são aceitáveis e inaceitáveis em termos de toque, a quem tocamos e como interpretamos o toque quando somos tocados.

toque para leitura em braille

Usos práticos e terapêuticos do toque

Por ser um poderoso veículo de informação e emoção, o toque tem uma enorme variedade de usos na sociedade. Como meio de permitir aos cegos a leitura, o Braille foi desenvolvido como um sistema de pontos em relevo numa página, separados por distâncias que podem ser percecionadas com a ponta do dedo. As máquinas foram projetadas para se aproveitar as vantagens das capacidades táteis para ajudar os deficientes. Por exemplo, os sensores de toque permitem que os surdos cegos sejam capazes de utilizar computadores, smartphones e elevadores. Desde há muito tempo que são feitos os usos terapêuticos do toque. Um exemplo notável é o “cuidado canguru” (cujo nome se assemelha ao modo como os cangurus transportam os seus filhotes), em que bebés são mantidos contra o peito nu de um cuidador. O tratamento canguru começou em Bogotá, na Colômbia, na década de 1970 para se lidar com as altas taxas de infeção e mortalidade em hospitais devido à superlotação e à escassez de incubadoras. As mães foram incentivadas a manter os seus bebés num contacto pelo com pele, por longos períodos e durante a amamentação. A mortalidade entre os bebés diminuiu rapidamente. Nos anos seguintes, muitos estudos sobre o tratamento canguru validaram os numerosos, substanciais e duradouros benefícios para bebés e famílias. Em países com rendimento médio baixo, o cuidado canguru reduziu a mortalidade, as infeções e a sua gravidade, o tempo de internamento hospitalat e melhorou o vínculo entre mãe e bebé, a amamentação e a satisfação materna. Já em países com elevados rendimentos, onde a mortalidade e as doenças não são fatores de alto risco, descobriu-se que o cuidado canguru promove a amamentação e o vínculo entre a mãe e o filho. Entre os benefícios verificados estão a estabilidade cardiorrespiratória e de temperatura, a melhor organização do sono, o melhor desempenho nas avaliações comportamentais, a redução das respostas adversas a procedimentos dolorosos e a melhoria do ambiente familiar. Não é de admirar que o cuidado canguru e outras formas de contacto pele com pele se tenham tornado práticas no cuidado de recém-nascidos nos hospitais. É claro que a estimulação tátil pele com pele não é a única sensação que o cuidado canguru proporciona, mas é certamente um componente significativo. Ainda outras aplicações médicas bem conhecidas relativamente ao toque, incluem a massagem terapêutica cujos benefícios (para além daqueles já discutidos para bebés prematuros) são múltiplos -  redução da tensão arterial, ansiedade, batimento cardíaco, sintomas depressivos e até mesmo dor lombar persistente. Hipócrates, o pai da medicina, disse que "qualquer pessoa que deseja estudar medicina deve dominar a arte da massagem".

“O toque da natureza torna-nos todos da mesma família.”

Tocar e ser tocado

O toque é onde a ciência encontra a civilização. Por meio das ciências naturais e médicas, entendemos muito mais profundamente os mecanismos de ação e os impactos bioquímicos, biológicos e neurológicos do toque. Através das ciências sociais e comportamentais, passamos a apreciar o significado e as funções das experiências quotidianas do toque. Tocar e ser tocado são tão comuns que rapidamente os tomamos como certos e dificilmente podemos pensar neles - exceto, é claro, quando eles nos emocionam ou quando nos perturbam. Alguns toques são, decididamente, negativos. Toques, palmadas ou socos indesejados são profundamente problemáticos e têm consequências adversas a longo prazo para crianças e adultos. O confinamento solitário ou a "ausência de contacto" com outras pessoas é muito prejudicial para a nossa saúde mental. Como agora aprendemos, muitos toques são bem-vindos, desejados e essenciais à nossa vida. Como William Shakespeare escreveu em sua peça Troilus and Cressida: “O toque da natureza torna-nos todos da mesma família.

Marc H. Bornstein

Marc H. Bornstein é um dos maiores especialistas no campo do desenvolvimento infantil e juvenil e, neste domínio, também investigou os efeitos do toque no desenvolvimento humano.

Tirou uma licenciatura no Columbia College, um mestrado e um doutoramento em Yale University, e tem ainda doutoramentos honorários da Universidade de Pádua e da Universisdade de Trento. Ele publicou amplamente esobre ciências experimentais, metodológicas, comparativas, do desenvolvimento e culturais, bem como em neurociência, pediatria e estética.